29.9.08

APRENDER A CONTAR #13

PRÉGAR

...Que desgraça! Parte uma perna num urinol.
Quem será ele? Um nervoso, com certeza um nervoso. Talvez um tímido. Atravessa-o então um pensamento. Mal a gente dá um passo em falso, fica logo com uma perna partida.
E isto, note-se, é apenas o encadear da desgraça...
Ele bem préga, mas a plataforma onde se encontra deixa de o suster e desmorona-se.
Quer continuar a prégar, mas cai e arrancam-no da água como peixe e vendem-no ao quilo, triste fim para um prégador.
Não desiste de prégar, mas põem-no a cozer num tacho; o ruído do tacho adormece-o, distraindo-o de quaisquer projectos. E o mundo, que pretendia pô-lo a marcar passo, ri-se, formando-se ali uma assembleia que se felicita.
Mas ei-lo, não abatido de todo, que esboça um gesto vago, como quem vai expulsar a desgraça do peito, ao mesmo tempo que lentamente começa a cozer. E depois disso já não parece lá muito bom para a prégação, não, já não parece lá muito bom.

Henri Michaux (1899-1984), O Retiro pelo Risco, trad. Júlio Henriques, Fenda, p. 26, Fevereiro de 1999.

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