8.10.05

Normalmente lavo as mãos antes e depois de escrever mesmo que sejam coisas porcas # 3

Diz-se às vezes da poesia
o que o matreco diz
de uma mão sem pulso.
Vasquinho Dasse

Em Abril de 1997, a propósito de uma bolsa literária do Ministério da Cultura, confessava o autor de Nova asmática portuguesa as suas predilecções poéticas: Camões, Ângelo de Lima, O’Neill. Do primeiro reconhecemos mormente o gosto pela Lírica, uma dimensão trágica que combina «as horas de amargura com o divertimento e o entusiasmo» (Vitorino Nemésio). Atentemo-nos, por exemplo, a estas três últimas estrofes do poema os porquês nossos: «porquê passear na praça da vaidade / se a todos quantos respeitosos cínicos fugia a verdade / se eles se devoravam no fútil e sem enfado / se era minha, não deles, tua vivacidade // porquê o silêncio, o estar quieta / o medo do ter ou da perda / saberias tu não imaginar-me com maré inquieta / nunca querendo perdoar-me como poeta // porquê recusaste depois o prazer / quiseste por triste ventura me enlouquecer / mostrar-me que abusei sem querer / se à falta de ti e dele / só quero morrer». (In Não saia nem entre após aviso de fecho de portas, p. 11) Desarrumo emocional ou anseio afectivo, estes versos anunciam apenas a dimensão mais erótica duma poesia que se erige também nos lugares da ruptura relacional, do desejo, de um amor folgado mas quase sempre sem fortuna. Aliás, a tensão amor-ódio é das mais interessantes na poesia de Nuno Moura e aparece testemunhada em múltiplos registos. O programa é apenas este: no amor não pode haver obrigação. Cativo de amor? Sim. Mas muito mais cativo de amar. Recusa-se o choro, mesmo quando se canta o abandono, a separação. Há imagens venenosas e violentas no que respeita ao naufrágio amoroso na poesia de Nuno Moura, imagens que ironizam o desconsolo e prefiguram a perdição do sujeito poético num diálogo espontâneo com a lírica camoniana.