8.10.05

Normalmente lavo as mãos antes e depois de escrever mesmo que sejam coisas porcas # 2

as palavras aguentam
com os quilos
das pessoas
Regina Neri
Pueta (sic) perturbador e de perturbações, parece-nos credível essa leitura introduzida por Manuel de Freitas de uma poesia de encontros inesperados. Toda a poesia de Nuno Moura se alicerça numa atitude que é, ao mesmo tempo, uma inclinação natural do poeta-pessoa e vice-versa: experimentar essa dimensão do encontro inesperado, através da manipulação da linguagem e das cenas que dão corpo à própria linguagem. Nos seus livros encontramos epígrafes de Camões em amena cavaqueira com grafitos avistados nas ruas de Lisboa, citações de Gilles Deleuze e Félix Guattari à bulha com reproduções de rótulos da Renova transformadas em poesia. É neste à vontade comunicacional que os poemas de Nuno Moura se fundam. O “insólito” da sua poesia não reside tanto no tratamento sintáctico (podíamos, com facilidade, vislumbrar-lhe a matriz dadaísta, surrealista, experimental), como parece residir no (des)conforto natural duma postura antipoética, ou seja, na forma descomplexada com que universos aparentemente antagónicos se interrelacionam e consolidam numa só voz de impressionante coerência. Daí que pensar esta poesia se torne não apenas criminoso como também contraproducente. Esta não é uma poesia de se pensar, é antes uma poesia de se poetar. Isso confirma o gosto que o poeta nutre pela representação oral dos seus poemas. São múltiplas e diversificadas as aparições de Nuno Moura dando voz física à sua (e à de outros) poesia, com a qual sabe conviver sem reverência mas com admiração. Recordemos, porque sim, o grande Hugo Ball: «A fala não é o único meio de expressão. A fala é incapaz de significar as experiências mais profundas. A destruição do órgão da palavra pode ser uma forma de disciplina pessoal. Quando o contacto é interrompido, quando cessa a comunicação, começa o mergulho em nós mesmos, o desprendimento, a solidão. Cuspir as palavras - linguagem vácua, entorpecente, da sociedade. Simular modéstia, ou loucura, e permanecer tenso. Atingir uma zona incompreensível, imarcescível.» Sublinho «disciplina pessoal» e «desprendimento». Não há poesia portuguesa recente que viva mais duma disciplina pessoal do que esta que agora nos ocupa. E essa pessoalidade só é possível devido a um desprendimento que não direi programático porque me parece antes espontâneo, natural, absolutamente autêntico. Poesia ambulante, o poeta limita-se a cuspir as palavras. Senão pela boca, pela pena. Na folha. Da folha à boca. Da boca à cena.